1º de novembro de 2018

Com a Igreja celebramos dois acontecimentos dos quais não poderemos fugir. O primeiro é o Céu, a plenitude a ser alcançada, vislumbrada na multidão daqueles irmãos e irmãs que já chegaram, e nós os chamamos de santos, em número muito maior do que os oficialmente reconhecidos, beatificados ou canonizados. O outro acontecimento é a realidade da morte, lembrada nestes dias com a Comemoração dos Fiéis falecidos, no dia de Finados. E chamamos comemoração, pois não se trará de curtir apenas saudades, mas nutrir esperanças. O que sustenta a esperança é o sentido do caminho, os passos em vista da perfeição, a serem dados um dia depois do outro, com decisão e ao mesmo tempo com simplicidade.

Para começar, um grande ideal há de sustentar as decisões. Pensar alto e pensar grande, pensar em realizar-se, desejar o crescimento. E que ideal é digno da pessoa humana? Seria muito pouco reduzir suas perspectivas aos sonhos de consumo, tão propalados quando insuficientes. São recorrentes as experiências de frustração, infelizmente disponíveis para todo gosto. Caem os ideais profissionais, as veleidades políticas, a riqueza fácil que se propõe como resultado da sorte. Até perspectivas plenamente legítimas e dignas desmoronam. Só há um ideal que não passa e que nenhuma bomba ou violência, crise econômica ou destruição de projetos podem abater. Só Deus e seu amor não passam e não decepcionam. Escolher o que não passa e se sustenta é decisão inicial para quem quer percorrer a estrada da perfeição.

Um sadio senso de realismo conduz a uma constatação, que podemos chamar de imperfeição! Aceitar que sozinhos não somos capazes de alcançar voos mais altos, saber que as duas realidades convivem uma ao lado da outra. Sonhar alto não é incompatível com a consciência das próprias limitações e fraquezas. Não se trata de cultivar eventuais complexos, traumas ou manias, mas aceitar-se limitado, inclusive porque só o grande ideal escolhido, Deus e seu amor, traz consigo a perfeição. O Senhor não nos quer remoendo fracassos, mas olhando para o alto e para frente!

Tanto em relação a Deus quanto no trato humano do dia a dia, entra aqui um passo importante. Saber que Deus perdoa, acolher o seu perdão, espalhar entre nós este perdão, buscar a reconciliação, aproximar-nos dos mais fracos, vencer o orgulho. É uma escolha sadia! Se olharmos para a vida dos santos, foram eles os primeiros a se reconhecerem pecadores e frágeis diante da perfeição de Deus, resplandecendo em suas vidas o desmoronamento de todo tipo de orgulho.

Quem quer ser perfeito, há de começar com as coisas simples. Fazer bem todas as coisas, cuidar do entorno de sua vida com simplicidade, não desprezar as oportunidades para cumprimentar, ajudar, prestar atenção, agir com gentileza. Boa ideia pode ser a superação da pressa, da cara fechada, a falta de atenção com o bem a ser feito, de forma a terminar o dia cansados de fazer pequenos atos de amor, um cansaço “repousante”!

A estrada da perfeição pede ainda a capacidade de colaborar com os outros, aceitar ajuda, descobrir que não estamos sozinhos na estrada. Ninguém caminha sozinho, muita gente vai ao lado, vai atrás de bons exemplos e de boa companhia, muitos esperam conselhos e exortações, ou até suplicam por mãos que se estendam para ajudar. A vida em comunhão e a experiência comunitária não são coisas supérfluas e nem manifestam defeitos, mas apontam para o alto e para cima, sim, porque a perfeição maior é aquela que se encontra em Deus, e ele é Pai e Filho e Espírito Santo!

A grandeza dos ideais não nos dispensa a atenção com a realidade que nos ronda no cotidiano, a possibilidade dos fracassos e a certeza do encontro com aquela que São Francisco chamou de irmã morte. Diante dela, só a garantia advinda da fé pode fazer-nos ultrapassar os umbrais do desespero e descortinar a porta da esperança. Vida eterna, só na eternidade! Por mais que se esforce para prolongar a vida na terra, mais cedo ou mais tarde nós nos encontraremos com a misteriosa e dolorosa experiência da morte. Olhando para aquele que é Caminho Verdade e Vida, encontramos mais uma vez a estrada: “Ninguém me tira a vida, mas eu a dou por própria vontade. Eu tenho poder de dá-la, como tenho poder de recebê-la de novo. Tal é o encargo que recebi do meu Pai” (Jo 10,18). Tomar posse da vida, transformar tudo o que pode “roubar-nos” a alegria de viver, inclusive a doença, os infortúnios e a morte, transformando em dom, oferta de amor. A saída é dar a vida, entregá-la conscientemente. Aí se encontra a felicidade que não passa, aí está a realização. Este é o caminho da perfeição!

O desafio é justamente o risco a ser corrido, que podemos chamar de risco da fé. Quem quiser pode apenas caminhar na eventual lógica humana, no afã de acumular bens, honras, elogios. Infelizmente o resultado será um verdadeiro desastre! Em nossas mãos está o uso do maravilhoso dom da liberdade, com o qual percorremos a estrada da santidade. Sim, a última palavra não é dos sofrimentos, do pecado ou da morte, mas daquele que é o primeiro e o último, o Senhor, o Santo! Vale a pena ouvir a Palavra que a Igreja proclama na festa de todos os santos, para incutir esperança e certeza em nosso caminho: “Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é” (1 Jo 3,1-2).