A Igreja se prepara para a Páscoa com intenso período dedicado à renovação da vida cristã, para que a Semana Santa conduza todos os cristãos à vida que brota do Mistério de Cristo em sua Morte e Ressurreição, “com os olhos fixos em Jesus, que vai à frente da nossa fé e a leva à perfeição. Em vista da alegria que o esperava, suportou a cruz, não se importando com a infâmia, e assentou-se à direita do trono de Deus (Hb 12,2). Fazemos isso porque sabemos muito bem o quanto podemos nos acostumar com a rotina quotidiana, com o grande risco do relaxamento. Assim, a vigorosa pregação da conversão, a intensa vida de oração, com a participação na Eucaristia, a busca do Sacramento da Penitência e a prática da Caridade, instrumentos de inspiração bíblica com uma incrível fecundidade, cuja força pode ser experimentada em todas as pessoas que aceitam empreender este caminho, um convite que agora se dirige a todos e cada um de nós. Proclamamos de novo a penitência quaresmal, desejosos de que a vida nova se realize em cada coração fiel, no espírito de missão do Ano Jubilar da Arquidiocese.

         Todas as Paróquias oferecerão na Quaresma a oportunidade para a celebrar a Via-Sacra, com a qual o caminho do Calvário é percorrido com a luz da Palavra de Deus e as orações, contemplando as quatorze estações tradicionalmente oferecidas. Vários santos, na história da Igreja, experimentaram e ensinaram a fazer a contemplação de cada passo, olhando para quadros, ícones ou imagens que os retratam. Retomemos esta prática, valorizando-a em vista do crescimento de nossa vida cristã.

         Na Arquidiocese de Belém e em muitas outras partes do Brasil, as Paróquias oferecem celebrações penitenciais, com a presença de vários sacerdotes, para a frutuosa confissão quaresmal. O Sacramento da Penitência, instrumento oferecido pela Igreja, com o qual todos podem experimentar a grandeza do perdão de Deus, é agora abundantemente, através dos ministros consagrados para acolherem, na festa da Misericórdia, os fiéis cristãos.

         Celebramos a liturgia quaresmal com a grande riqueza da Palavra de Deus proclamada e vivida. Neste ano, somos acompanhados pelo Evangelho de São Lucas, conhecido pela força com que o tema da Misericórdia é tratado e anunciado. Aproveitamos para propor que o texto completo de São Lucas seja lido, meditado e rezado por todos, possivelmente com o método da Leitura orante da Palavra de Deus: Leitura de um texto da Escritura, para entendê-lo bem; Meditação, com a qual se pergunta o que o mesmo traz para a nossa vida; Oração, para conversar com Deus e ouvi-lo a partir da luz da Palavra; Contemplação, no silêncio que faz decantar em nosso coração a força da Palavra do Senhor; enfim, um Propósito de vida nova, à luz da Palavra de Deus.

         Outro passo importante na Quaresma que se inicia é a prática das boas obras de caridade. A experiência da fraternidade pode ser feita na simplicidade dos nossos gestos, começando em nossa casa, para se ampliar aos vizinhos, à Comunidade, à Paróquia e a todas as situações da sociedade. E para nós, anunciamos nesta Quaresma à sociedade uma das formas da caridade, a atenção às políticas públicas, o que não tem nada a ver com política partidária, mas se refere às desejadas e urgentes práticas de atenção às necessidades da população, a serem assumidas prioritariamente pelo conjunto da sociedade e especialmente pelas autoridades por elas responsáveis.

E acolhemos propostas do Papa, de modo especial com os olhos do coração voltados para o Sínodo especial para a Amazônia: “De Páscoa em Páscoa, podemos caminhar para a realização da salvação que já recebemos, graças ao mistério pascal de Cristo: “De fato, foi na esperança que fomos salvos” (Rm 8, 24). Este mistério de salvação é um processo dinâmico que abrange também a história e toda a criação. São Paulo chega a dizer: ‘Até a criação se encontra em expetativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus’ (Rm 8, 19). Se o homem vive como filho de Deus, se vive como pessoa redimida, que se deixa guiar pelo Espírito Santo (Cf. Rm 8, 14), e sabe reconhecer e praticar a lei de Deus, a começar pela lei gravada no seu coração e na natureza, beneficia também a criação, cooperando para a sua redenção. Por isso, a criação – diz São Paulo – deseja de modo intensíssimo que se manifestem os filhos de Deus, isto é, que a vida daqueles que gozam da graça do mistério pascal de Jesus se cubra plenamente dos seus frutos, destinados a alcançar o seu completo amadurecimento na redenção do próprio corpo humano. Quando a caridade de Cristo transfigura a vida dos santos – espírito, alma e corpo –, estes rendem louvor a Deus e, com a oração, a contemplação e a arte, envolvem nisto também as criaturas, como demonstra admiravelmente o ‘Cântico do irmão sol’, de São Francisco de Assis. Neste mundo, porém, a harmonia gerada pela redenção continua ainda – e sempre estará – ameaçada pela força negativa do pecado e da morte. Esta ‘impaciência’, esta expetativa da criação ver-se-á satisfeita quando se manifestarem os filhos de Deus, isto é, quando os cristãos e todos os homens entrarem decididamente neste “parto” que é a conversão. Juntamente conosco, toda a criação é chamada a sair ‘da escravidão da corrupção, para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus’ (Rm 8, 21). A Quaresma é sinal sacramental desta conversão. Ela chama os cristãos a encarnarem, de forma mais intensa e concreta, o mistério pascal na sua vida pessoal, familiar e social, particularmente através do jejum, da oração e da esmola” (Cf. Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2019, sobre a ardente expectativa da criação pela revelação dos filhos de Deus).

E vejamos como o Papa propõe as práticas quaresmais: “Jejuar, isto é, aprender a modificar a nossa atitude para com os outros e as criaturas: passar da tentação de ‘devorar’ tudo para satisfazer a nossa voracidade, à capacidade de sofrer por amor, que pode preencher o vazio do nosso coração. Orar, para saber renunciar à idolatria e à autossuficiência do nosso eu, e nos declararmos necessitados do Senhor e da sua misericórdia. Dar esmola, para sair da insensatez de viver e acumular tudo para nós mesmos, com a ilusão de assegurarmos um futuro que não nos pertence. E, assim, reencontrar a alegria do projeto que Deus colocou na criação e no nosso coração: o projeto de amá-Lo a Ele, aos nossos irmãos e ao mundo inteiro, encontrando neste amor a verdadeira felicidade. A ‘quaresma’ do Filho de Deus consistiu em entrar no deserto da criação para fazê-la voltar a ser aquele jardim da comunhão com Deus que era antes do pecado das origens (Cf. Mc 1,12-13; Is 51,3). Nossa Quaresma seja percorrer o mesmo caminho, para levar a esperança de Cristo também à criação, que ‘será libertada da escravidão da corrupção, para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus’ (Rm 8, 21). Não deixemos que passe em vão este tempo favorável! Peçamos a Deus que nos ajude a realizar um caminho de verdadeira conversão. Abandonemos o egoísmo, o olhar fixo em nós mesmos, e voltemo-nos para a Páscoa de Jesus; façamo-nos próximo dos irmãos e irmãs em dificuldade, partilhando com eles os nossos bens espirituais e materiais. Assim, acolhendo na nossa vida concreta a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, atrairemos também sobre a criação a sua força transformadora”.