“Nutriste o teu povo com um alimento de anjos: de graça lhes enviaste, do céu, um pão já preparado, contendo em si todo sabor e satisfazendo a todos os gostos” (Sb 16, 20). Deus prepara um banquete para o seu povo, dando-lhe o alimento da sabedoria, da comunhão com ele, para oferecer-lhe, a seu tempo, o Corpo e o Sangue de seu Filho amado. Há uma história de salvação de amor entre Deus e o povo, com frequência ambientado à mesa. Podemos recordar Abraão, Moisés e a instituição da Páscoa.
Abraão recebeu seus hóspedes junto ao carvalho de Mambré, oferecendo-lhes uma refeição preparada com carinho, tanto que assim recomenda a Carta aos Hebreus: “Não descuideis da hospitalidade; pois, graças a ela, alguns hospedaram anjos, sem o perceber” (Hb 13, 2). O que existe de melhor é oferecido aos hóspedes que trazem a visita e a promessa de Deus! Alimento, hospitalidade, presença de Deus, promessa!
Na epopeia do Êxodo, a Páscoa, instituída em memória da passagem do Senhor, vem a ser celebrada nas casas, numa refeição ritual: “Cada um tome um animal por família. No dia catorze deste mês, quando, ao cair da tarde, toda a comunidade de Israel reunida o imolará. Tomarão um pouco do sangue e untarão as ombreiras da porta das casas onde comerem. Comerão a carne nesta mesma noite. Deverão comê-la assada ao fogo, com pães sem fermento e ervas amargas. Assim devereis comê-lo: com os cintos na cintura, os pés calçados, o cajado na mão; e comereis às pressas, pois é a Páscoa, isto é, Passagem do Senhor. Este dia será para vós um memorial em honra do Senhor, que haveis de celebrar por todas as gerações, como instituição perpétua. Quando tiverdes entrado na terra que o Senhor vos dará, conforme prometeu, observareis este rito. Quando vossos filhos vos perguntarem: ‘Que significa este rito?’ respondereis: ‘É o sacrifício da Páscoa do Senhor (Cf. Ex 12, 1-25). De geração em geração, em torno da mesa, na refeição pascal, acontece a celebração do Senhor que “passa”, na imolação do Cordeiro. Memorial permanente da libertação!
Nosso Senhor valorizou muitas vezes a refeição, no seu mistério de encontro entre as pessoas, e delas com Deus. As narrativas de multiplicação de pães, presentes nos quatro evangelistas, sobejam em lições a respeito da solicitude de Jesus, as lições de partilha e sua palavra de bênção e transformação: “Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes” (Jo 6, 11). O pão da terra, profecia do Pão do Céu!
À mesa, lições de boa educação se tornam anúncio dos valores do Reino de Deus: “Quando fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante. Ao contrário, quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Pois todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado”. E disse também a quem o tinha convidado: “Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos! Então serás feliz, pois estes não têm como te retribuir! Receberás a recompensa na ressurreição dos justos” (Cf. Lc 14, 1-14). Na mesa preparada por Deus, há lugar para todos!
É numa refeição, em casa de um certo Simão, que uma mulher pecadora se aproxima dele (Cf. Lc 7, 36-50), perdoada porque muito amou, lava seus pés, derrama perfume! Em seu gesto, a saudação, o banho, o perfume, a ceia. Um jantar, espaço para a revelação do amor maior.
Betânia, casa do pobre e casa da amizade, casa de amigos próximos de Jesus. Podemos imaginar o Senhor visitando aquela família peculiar mais vezes ainda do que relatam os evangelhos. Lázaro, amigo privilegiado, e ao que tudo indica, doente! Em geral, numa refeição, espaço sagrado para o encontro, sustento do corpo e alimento da alma com o afeto e a ternura! Ali, lições de discipulado, quando Maria está aos pés do Senhor para ouvi-lo, escolhendo a melhor parte. Também a prática da hospitalidade, lembrando que é Marta de Betânia a que é comemorada como santa! Em Betânia, o choro de Jesus, o chamado de Lázaro à vida, a profissão de fé. Em torno da mesa, os valores do Reino de Deus e a vida plena!
Foi no Cenáculo, num “andar de cima”, que o Senhor se revelou plenamente e antecipou, na instituição da Eucaristia, seu desígnio de amor e de permanência entre os seus. Dali para frente, todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste vinho, anunciamos a Morte do Senhor e proclamamos a sua Ressurreição, até que ele venha! Morte, Ressurreição, Ascensão, Pentecostes, tudo realiza o Mistério Pascal de Cristo! Isto é o meu Corpo, isto é meu Sangue, sustento para a vida até a volta do Senhor! Vinde, Senhor Jesus!
Após a Ressurreição, também foram refeições as ocasiões privilegiadas para o Senhor se manifestar. No dia da Ressurreição e uma semana depois, o lugar é o Cenáculo. Na narrativa de São Lucas, revelação e missão se encontram também em torno da mesa, e o Senhor, o alimento verdadeiro, toma alimento com eles. À beira do lago, a delicadeza de quem prepara uma refeição, ele que é o verdadeiro Pão da Vida.
Os discípulos de Emaús (Lc 24, 1-15), evangelho proclamado no terceiro Domingo da Páscoa, depois de caminharem com aquele andarilho aparentemente ignorante a respeito dos fatos, experimentam a catequese que será sempre oferecida à Igreja. O Senhor caminha com eles, tem paciência com os passos a serem percorridos, sabe que é gradual o seu processo de reconhecimento, o que ensina a serenidade com qual somos chamados a ajudar-nos mutuamente! Depois, ele mesmo, Palavra viva, explica a Palavra. De fato, o Ressuscitado, vivo na Igreja, é a chave para a compreensão de toda a Escritura. No caminho de sua formação, todos os cristãos hão de experimentar o coração ardendo, pois ele está também no mais íntimo de cada um de nós! De lá para cá, brota sempre o pedido ao Senhor, sua presença entre os que se amam – “Fica conosco, pois já é tarde e o dia já declina”. A experiência da Igreja mostrará a força da comunhão fraterna. E esta é a face de Jesus Cristo a ser mais apresentada em nossos dias. Lembremo-nos da força da comunhão testemunhada nos Atos dos Apóstolos: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum. Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e sobre todos eles multiplicava-se a graça de Deus” (At 4,32-33). E na Ceia de Emaús, chegam à exuberância maior da presença do Ressuscitado, a Eucaristia. Dali, correm pressurosos à Igreja reunida em torno de uma mesa, para encontrarem o mesmo Senhor! Da ceia para a vida, da vida para a Ceia, a Ceia na Igreja. O mesmo Senhor ressuscitado, presente e atuante na Igreja!