A vida dos cristãos conhece etapas de maior intensidade, chamadas de tempos fortes, nas quais não se tira o valor das outras fases do ano, mas se abastece a vida espiritual, em vista do caminho a ser percorrido. Quem é cristão se reconhece peregrino do Absoluto, chamado a conquistar muitas outras pessoas, pela palavra e pelo testemunho de vida, para que toda a humanidade caminhe rumo a Deus, realizador de todas as esperanças humanas (Cf. Retiro Popular 2020).

Tempo especial é a Quaresma, verdadeira academia de exercícios espirituais, destinados a fortalecer a vida na fé. Nossa proposta para a Quaresma pede maior dedicação à oração, caridade vivida e mortificação ou penitência. Pessoalmente ou em grupos que se reúnem nas famílias, comunidades e paróquias, queremos rezar mais e melhor. A caridade, além das práticas pessoais, reveste-se do rosto de Campanha da Fraternidade, “Fraternidade e vida: dom e compromisso”, com o lema: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34) cujo cartaz remete à figura de Santa Irmã Dulce dos Pobres, canonizada no mês de outubro de 2019. Mortificação e penitência serão nossos esforços para educar os sentimentos e a vontade, tantas vezes flácidos pelo acomodamento e passividade. Somos chamados a dar novo ânimo à sociedade, muitas vezes carente dos grandes ideais que podem transformá-la ou, mais ainda, transfigurá-la.

Em nossa peregrinação quaresmal, olhando uns para os outros e para dentro, somos chamados a reconhecer os limites e possibilidades da humanidade, passando pelos desertos da vida ou no meio das multidões. Vem ao nosso encontro o Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Passando pelas estradas do mundo e convivendo com seus primeiros discípulos, estes se manifestaram temerosos diante dos desafios, assustados com a perspectiva da Cruz anunciada pelo Senhor. Num gesto de atenção e carinho, escolhe dentre eles três testemunhas, Pedro, Tiago e João, gente de amizade provada, levando-os a um monte que a tradição localizou no Tabor (Mt 17, 1-9). Era carinho de Deus para que lhes fosse afastado o escândalo da Cruz!

Subiram para rezar! (Cf. Lc 9, 28) E já começa a mudança, pois quem se eleva em direção a Deus carrega consigo o mundo e já limpa seus olhos. Quem reza vê mais longe e vê melhor! E estavam unidos, com a presença de Jesus, que se transfigurou diante deles. Amigos que rezam juntos! Tudo pronto para se revelar a face gloriosa de Cristo!

Como delicadeza diante daqueles que, bons judeus, sabiam serem necessárias duas testemunhas para assegurar a veracidade de um fato, permite-lhes ver nada menos do que Moisés e Elias, a Lei e os Profetas! Aquele a quem seguiam era de verdade o prometido. Mais ainda, a voz do Pai e o sinal da presença do Espírito Santo na nuvem luminosa. Mergulharam na vida da Trindade, condescendência infinita para com aqueles que representavam toda a humanidade e a imensa multidão dos discípulos dos séculos afora, até o fim dos tempos.

Foi-lhes recomendado silêncio até que a glória viesse completa, na Ressurreição do Senhor, também para que muitos aceitassem fazer a maravilhosa aventura da fé, sem medo de serem discípulos! É necessário primeiro arriscar-se na fé! A visão vem depois e o risco é nosso! Serenidade e calma, um passo depois do outro, e o dia se faz!

Ouso entrar no coração dos discípulos da transfiguração e imaginar seus olhos depois da transfiguração de Jesus. Sua visão não era mais turva, mas conseguiam entender o que vem depois dos fatos, dos mais corriqueiros aos mais dolorosos. Eis o testemunho de Pedro: “efetivamente, ele recebeu honra e glória da parte de Deus Pai, quando do seio da esplêndida glória se fez ouvir aquela voz que dizia: Este é o meu Filho bem-amado, no qual está o meu agrado. Esta voz, nós a ouvimos, vinda do céu, quando estávamos com ele na montanha santa. E assim se tornou ainda mais firme para nós a palavra da profecia, que fazeis bem em ter diante dos olhos, como uma lâmpada que brilha em lugar escuro, até clarear o dia e levantar-se a estrela da manhã em vossos corações” (2 Pd 1, 17-19).

Os cristãos, tendo conhecido seus limites, compartilhados com todos os seres humanos, mas acolhidos na estrada da felicidade que desemboca na ressurreição, sabem ser portadores do segredo da luz, se viverem unidos em nome de Jesus. Podem ser radiantes de felicidade e comunicá-la aos outros. É a maravilhosa vocação do cristão, que no monte ou na planície, caminha para Deus, com Deus e com toda a humanidade. Olhos límpidos lavados por Deus para enxergar o bem e espalhá-lo com alegria!

“Irmãos e Irmãs: não tenhais medo de acolher Cristo e de aceitar o Seu poder! Ajudai todos aqueles que querem servir a Cristo e, com o poder de Cristo, servir o homem e a humanidade inteira! Não, não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo! Ao seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas econômicos assim como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem o que é que está dentro do homem. Somente Ele o sabe!” Assim iniciou, em 1978, São João Paulo II, o seu serviço apostólico de sucessor de Pedro. Diante de todas as pessoas, os cristãos são chamados a evangelizar, oferecendo o que de melhor descobriram em suas vidas, o encontro com Jesus Cristo, Redentor do mundo. Não há limites! Todos os campos da vida humana se abram para o Redentor.

Entretanto, sabemos que há muito receio diante do anúncio e do nome de Jesus Cristo, como existem resistências à Igreja. Temos consciência dos desafios à Evangelização, assim como um leque aberto de questões novas e velhas que provocam a criatividade dos cristãos. A Igreja identificou algumas exigências ou modos para anunciar Jesus Cristo. Muitos o conhecem pelo anúncio explícito, na pregação vigorosa do nome de Jesus, que ressoa por toda parte e no correr dos séculos. Outras pessoas serão tocadas pelo testemunho de comunhão oferecido pelos cristãos unidos em nome do Senhor. No mundo inteiro, os cristãos são chamados a servir, e quantas são as expressões da caridade vivida, com a qual Jesus Cristo é testemunhado. Pelo diálogo aberto e sincero passará a estrada da conversão para uma larga e significativa porção da humanidade. Se queremos ser uma Igreja de portas abertas, trazendo a todos a alegria, percorreremos estes passos.