Pedro e seus companheiros, pescadores de profissão, tendo trabalhado a noite inteira, ao lavarem suas redes, certamente cansados e desgostosos por não terem conseguido nada, são provocados por um carpinteiro de profissão, portador de palavras de vida eterna, por ser ele mesmo a Palavra eterna de Deus que se faz carne, a lançar as redes ao mar, pedindo-lhes algo aparentemente irracional, sair de novo a pescar. Coisa que pode acontecer conosco, quando nos parece ter fracassado, inclusive em nossos esforços para fazer o bem e no serviço da Igreja. Então, chega a hora de recomeçar, lançar-se de novo à aventura do mar da vida.
A imagem oferecida pelo Evangelho (Lc 5, 1-11) é muito parecida com o nosso ambiente amazônico. Em Belém, estamos diante de nosso rio-mar, são muitas as embarcações, muitos os peixes, tantas as fadigas, rios e águas. Multiplicam-se pela Amazônia os ribeirinhos, nossas águas vão serpenteando em meio à floresta, tudo isso a provocar nossa imaginação e nossa criatividade, passando das águas e do verde da floresta para as águas do mar da vida, que muitas vezes podem afogar-nos. E as exigências da Evangelização na Amazônia se apresentam de novo, como nos séculos passados, agora com renovada consciência, para respondermos juntos, ajudados pela convocação da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazônia.
Como avançar para águas mais profundas diante dos desafios do tempo presente? Uma boa indicação é aprender com nossos eventuais fracassos. Outra e mais importante é fazer a mesma experiência de Pedro. Não confiar em nossos próprios argumentos, por mais competentes e profissionais que pareçam, confiando-nos a Jesus e a sua Palavra. Durante as noites, que são muitas, do trabalho e das lutas, na ausência do Senhor, todo o trabalho é fadado à esterilidade. Para lançar-nos mar adentro na Evangelização, comecemos a partir dos mistérios: Trindade, Encarnação, Ressurreição, Igreja, Eucaristia, Sacramentos. É hora de dizer de novo: eu creio porque Jesus disse, creio em Jesus e lanço de novo as redes. Pedro, quando teve a coragem obedecer a Jesus e avançar para águas mais profundas, viu suas redes se encherem de peixes. Aquele que tinha pedido a barca emprestada para dela fazer um púlpito de pregação agora leva consigo a vida do próprio Pedro, feito pescador de homens e rocha para a edificação da Igreja.
Ao início do mês da Bíblia, justamente a força da Palavra deve ser colocada em relevo, da qual nos aproximamos com fé. Na Exortação Apostólica de Bento XVI sobre a Palavra de Deus na vida (Cf. Verbum Domini 91-108), recordada no recente encontro preparatório ao Sínodo, realizado em Belém do Pará, encontramos algumas indicações preciosas, cujo conteúdo nos ajuda e lançarmo-nos de novo na aventura da Evangelização na Amazônia.
Assim se expressava o Papa Ratzinger: O Verbo de Deus comunicou-nos a vida divina que transfigura a face da terra, fazendo novas todas as coisas (Cf. Ap 21, 5). A sua Palavra envolve-nos como destinatários da revelação divina e também como seus arautos. Ele nos atrai a si e nos envolve-nos na sua vida e missão. Assim o Espírito do Ressuscitado habilita a nossa vida para o anúncio eficaz da Palavra em todo o mundo. É a experiência da primeira comunidade cristã, que via difundir-se a Palavra por meio da pregação e do testemunho (Cf. At 6, 7). A Igreja anuncia ao mundo a Esperança (Cf. 1 Pd 3, 15); o homem precisa da “grande Esperança” para poder viver o seu próprio presente – a grande esperança que é aquele Deus que possui um rosto humano e que nos “amou até ao fim” (Jo 13, 1). Por isso, na sua essência, a Igreja é missionária. Não podemos guardar para nós as palavras de vida eterna, que recebemos no encontro com Jesus Cristo: são para todos, para cada homem. Cada pessoa do nosso tempo – quer o saiba quer não – tem necessidade deste anúncio! Oxalá o Senhor suscite entre os homens, como nos tempos do profeta Amós, nova fome e nova sede das palavras do Senhor (Cf. Am 8, 11). A nós cabe a responsabilidade de transmitir aquilo que por graça recebemos. As primeiras comunidades cristãs sentiram que a sua fé não pertencia a um costume cultural particular, que diverge de povo para povo, mas ao âmbito da verdade, que diz respeito igualmente a todos os homens.
Por conseguinte, a missão da Igreja não pode ser considerada como realidade facultativa ou suplementar da vida eclesial. Trata-se de deixar que o Espírito Santo nos assimile a Cristo, participando assim na sua própria missão: “Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20, 21), de modo a comunicar a Palavra com a vida inteira. É a própria Palavra que nos impele para os irmãos: é a Palavra que ilumina, purifica, converte; nós somos apenas servidores.
Por isso, é necessário descobrir cada vez mais a urgência e a beleza de anunciar a Palavra para a vinda do Reino de Deus, que o próprio Cristo pregou. Neste sentido, renovamos a consciência de que o anúncio da Palavra tem como conteúdo o Reino de Deus (Cf. Mc 1, 14-15), sendo este a própria pessoa de Jesus. O Senhor oferece a salvação aos homens de cada época. Todos nos damos conta de quão necessário é que a luz de Cristo ilumine cada âmbito da humanidade: a família, a escola, a cultura, o trabalho, o tempo livre e os outros sectores da vida social. Não se trata de anunciar uma palavra anestesiante, mas desinstaladora, que chama à conversão, que torna acessível o encontro com ele, através do qual floresce uma humanidade nova. O ardor missionário é um sinal claro da maturidade de uma comunidade eclesial. E o anúncio deve ser explícito. A Igreja deve ir ao encontro de todos com a força do Espírito (Cf. 1 Cor 2, 5) e continuar profeticamente a defender o direito e a liberdade das pessoas escutarem a Palavra de Deus, procurando os meios mais eficazes para a proclamar, mesmo sob risco de perseguição. A todos a Igreja se sente devedora de anunciar a Palavra que salva (Cf. Rm 1, 14). Tomemos posse de tal graça e responsabilidade, cada qual na vocação e estado de vida em que foi chamado por Deus a contribuir na edificação do Reino de Deus e de sua Igreja.