Após a libertação do Egito, quando Moisés vislumbrou a terra prometida, viu que seus dias chegavam ao fim, carregado de anos e de alegria pela amizade com Deus, com quem a Escritura diz que falava “face a face” (Cf. Dt 34,1-12). Poucas pessoas receberam de forma tão clara um apelativo de tamanha dignidade! Tendo chorado a morte de Moisés, coube a Josué conduzir o povo pela desafiadora saga que se abria no horizonte, a travessia do Jordão e a instalação no novo ambiente.
Como acontecera em outras ocasiões, também aqui o povo de Deus passou por uma crise. Basta lembrar as dificuldades que antecederam, acompanharam e se seguiram à travessia do Mar Vermelho, as crises por causa de água e alimento, a idolatria e daí por diante. De fato, a honra do povo hebreu residia em ter sido escolhido por gratuidade, não por ser melhor do que os outros povos. Pois bem, agora os desafios são a novidade da terra enfim alcançada, a divisão dos espaços, os conflitos tribais. Josué convoca a Assembleia em Siquém e ao final a pergunta decisiva, a ser respondida pelo povo escolhido: “Se vos desagrada servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses a quem vossos pais serviram no outro lado do rio ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor”. O povo respondeu: “Longe de nós abandonarmos o Senhor para servir a deuses alheios. Portanto, nós também serviremos ao Senhor, porque ele é nosso Deus”. Então Josué disse ao povo: “Não podeis servir ao Senhor, pois ele é um Deus santo, um Deus ciumento, que não suportará vossas transgressões e pecados. Se abandonardes o Senhor e servirdes a deuses estranhos, ele se voltará contra vós e, depois de vos ter tratado tão bem, vos tratará mal e vos aniquilará”. O povo, porém, respondeu a Josué: “Não! É ao Senhor que serviremos” (Js 24, 15-16.20-21).
E assim aconteceu muitas vezes, pois a vicissitudes do caminho e as limitações humanas provocaram inúmeras crises e chamadas de atenção, para que as pessoas retomassem a estrada da fidelidade a Deus. Trata-se do desafiador mistério da liberdade humana, que pode sempre cair na esparrela do pecado. Nem as pessoas ou as comunidades estão isentas!
Quando Jesus chamou seus discípulos, também ali aconteceram crises, deserções, negações e traições. Os Evangelhos Sinóticos, Mateus, Marcos e Lucas expressam uma das maiores crises dos que seguiam o Senhor, justamente na confissão de fé feita por Simão Pedro, aquele que, malgrado suas limitações pessoais, foi escolhido como ponto de referência de unidade da Igreja. O escândalo, no sentido original de pedra de tropeço, foi o anúncio da cruz, do sofrimento e da morte. O Evangelho de São João (Cf. Jo 6,60-69) descreve outra situação, considerada também uma virada de página na vida dos discípulos, e esta se encontra justamente no desconcertante anúncio da Eucaristia (Jo 6,51). Muitos consideraram muito dura a palavra que convidava a comer a carne e beber o sangue! Tantos voltaram atrás e não andavam mais com Jesus. A todos vai a pergunta e a resposta cabe a Simão Pedro: “Jesus disse aos Doze: ‘Vós também quereis ir embora?’ Simão Pedro respondeu: ‘A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna’” (Jo 6,67-68). Até hoje os cristãos e a Igreja repetem a mesma palavra de Pedro.
Em nosso tempo, muitos são os motivos que podem levar as pessoas a se afastarem de Jesus e da Igreja. Um deles é justamente a proposta da vida sacramental. Pode carecer de emoções e de teatralidade a fiel participação na Santa Missa, especialmente no dia do Senhor, o Domingo, já que este se transformou para muitos mais no dia do lazer e do descanso, ainda que também o descanso seja prescrito na lei de Deus. Que dizer da confissão, onde um homem, também ele frágil e pecador, ousa escutar as nossas misérias e absolver em nome de Deus? Trata-se agora de escolher: a quem você quer servir? O Senhor ou seu comodismo e fechamento?
Por falar em fragilidade, os escândalos que assustam a todos, gerados pelo comportamento inadequado de ministros da Igreja, têm afastado muitas pessoas, quando as misérias, infelizmente, estão presentes por toda parte, inclusive transformados em normas e leis iníquas! Se for limitado o comportamento de um clérigo ou de um cristão, maiores motivos se devem encontrar para dar testemunho da verdade e da retidão, também porque o eventual afastamento é seguido, na maioria das vezes, pela degradação ainda maior dos acusadores, os quais encontram assim motivos para ceder às muitas tentações que repousam em seu interior. Muitos ministros da Igreja passaram por verdadeira conversão, provocados pelo exemplo de pessoas muito simples e piedosas! Também diante do pecado dos outros, faz-se necessário perguntar a quem queremos servir, ou às circunstâncias ou à verdade!
Voltando à vida sacramental, a proposta da Igreja do Matrimônio indissolúvel, a rejeição católica ao divórcio seguido de nova união, a fidelidade matrimonial (Cf. Ef 5,21-32) e todas as indicações para a prática da castidade de solteiros e casados podem soar conservadoras e atrasadas em nosso tempo, pelas exigências que comportam. Ainda que Deus tenha infinitos e inúmeros caminhos para tocar o coração das pessoas e conduzi-las a ele, não pode a Igreja e não podem os cristãos renunciar ao anúncio do caminho reto neste campo. A escolha é a provocação do momento.
Escolher o serviço do Senhor não significa tornar-se orgulhosamente perfeito, mas contemplar a perfeição do Pai do Céu, que é o amor e a misericórdia, reconhecer os próprios limites, arrepender-se dos pecados, recomeçar milhões de vezes, sem perder de vista o ideal do seguimento de Jesus. Quer dizer ainda ir ao encontro dos mais fracos, estender-lhes a mão, sustentá-los numa estrada de conversão, escolhendo com eles, como quem refaz a própria estrada, o bem e a verdade.