Há expressões usadas em nossa linguagem cotidiana que revelam a mentalidade cultivada no trato com os outros. Não é difícil encontrar quem diga, diante dos eventuais conflitos a serem enfrentados: “E eu, como fico nesta história?” E podemos chegar aos extremos de dizer que “eu sou eu, e o resto é resto!” Com honestidade, devemos dizer que no princípio, quando Deus criou todas as coisas, não foi assim. A proposta do que costumamos chamar de Paraíso terrestre é da comunhão, quando Deus é reconhecido como Pai, as outras pessoas como irmãos e irmãs e a natureza dada para ser cuidada para o bem de todos e não para o desfrutamento individualista.

O pecado estragou tudo, quando as pessoas quiseram se sobrepor ao Criador, pretendendo ser o próprio critério do bem e do mal. E vieram as consequências, quando um irmão mata o outro ou se instala a competição entre o plano de Deus e as estradas humanas. De fato quando Deus criou o homem “à sua imagem e à sua semelhança”, não se deve apenas pensar na inteligência e na liberdade, dons importantíssimos, mas na proposta de comunhão e relacionamento fraterno. A vida humana será sempre uma batalha para superar o egoísmo e o desejo de destruir o outro.

Deixada ao alvitre de seus instintos, a humanidade já experimentou e experimenta os resultados desastrados provados na história de pessoas e povos. Tocamos com nossas mãos a incapacidade de sozinhos darmos conta dos caminhos da humanidade. Faz-se necessário olhar para o alto, a fim de descobrir os caminhos novos que só podem ser abertos pela graça de Deus. Na sua sabedoria, Deus constituiu um povo, justamente chamado “de Deus”, tantas vezes corrigido pela sua cabeça dura e sempre amado e reconduzido à amizade com aquele que o conduz: “Porque eu sou o Senhor, o teu Deus, eu te pego pela mão e digo: ‘Não temas, que eu te ajudarei. Não tenhas medo, vermezinho Jacó, Não te assustes, Israel, mísero inseto! Eu te ajudarei’ – oráculo do Senhor, que é o teu Libertador, o Santo de Israel” (Is 41,13-14). As vicissitudes da história não afastaram o amor de Deus por seu povo, sempre reconduzido às veredas da justiça, ao qual foi prometida uma nova Aliança.

Os planos de Deus se realizaram plenamente no envio ao mundo de seu Filho amado, que por amor assumiu a carne da humanidade, tornando-se igual a nós em tudo, exceto no pecado. E Jesus Cristo, Filho único de Deus, primogênito de uma nova humanidade, tornou-se pequeno, pobre e servo, obediente até à morte, e morte de cruz, apenas e tão somente por amor. Percorrendo nossas estradas e penetrando nos corações humanos, ele não só anuncia, mas é o amor de Deus encarnado. E a novidade se mostra, quando Deus vem a ser reconhecido como família, não isolamento. Ele chama a Deus de Pai, o que escandaliza tanta gente. Ele mostra que veio do Pai e para o Pai retorna. Tudo nele se refere ao Pai e anuncia o Reino de Deus, que irrompe no meio da

humanidade em sua pessoa. E mostra mais ainda a família que Deus é, prometendo o dom do Espírito Santo, Espírito do Pai e do Filho, amor do Pai e do Filho. Esta verdadeira voragem de amor é anunciada e aberta à participação de toda a humanidade. À sua luz, é possível ler e entender tantas passagens do Antigo Testamento, começando por “nossa imagem e semelhança”.

Vale a pena abrir o Evangelho de São João: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus. Ela existia, no princípio, junto de Deus. Tudo foi feito por meio dela, e sem ela nada foi feito de tudo o que existe. Nela estava a vida, e a vida era a luz dos homens… Ela estava no mundo, e o mundo foi feito por meio dela, mas o mundo não a reconheceu. Ela veio para o que era seu, mas os seus não a acolheram. A quantos, porém, a acolheram, deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus: são os que creem no seu nome… E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que recebe do seu Pai como filho único, cheio de graça e de verdade… De sua plenitude todos nós recebemos, graça por graça… A graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. Ninguém jamais viu a Deus; o Filho único, que é Deus e está na intimidade do Pai, foi quem o deu a conhecer” (Cf. Jo 1,1-18).

Aos seus discípulos de ontem e de hoje e a toda a humanidade, Jesus trouxe o jeito de viver do Céu, motivo pelo qual desejamos e pedimos em oração que se faça a vontade do Pai assim na terra como no Céu. Tenhamos a ousadia de afirmar que o modelo para o relacionamento social se encontra no alto, na família do Pai e do Filho e do Espírito Santo, a Santíssima Trindade, a melhor comunidade! Estamos rastejando ao nível do rodapé da existência, procurando soluções baseadas apenas na afirmação de cada um, quando a felicidade vem das pessoas se abrirem umas para as outras, quando dão o primeiro passo para perdoar, quando estabelecem livremente os caminhos para o diálogo com os outros, quando são as primeiras a amar, numa verdadeira competição positiva de saída de si para construir o bem do outro. Olhando para o céu, será possível traçar sobre nós o sinal da Cruz, que resume a fé no mistério de Cristo Morto e Ressuscitado e põe em nossa boca o compromisso diário de viver em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Fazer este gesto e pronunciar as palavras que o acompanham exige disposição para viver realmente com os critérios vindos do alto, sabendo que são a melhor e única estrada para a plena realização humana. A cada pessoa caberá o esforço criativo para tornar prático o Céu aqui na Terra, na descoberta de novos caminhos para que o nosso mundo seja restaurado.

Nossa humanidade então dará glória a Deus que é Pai e Filho e Espírito Santo. O Céu e a Terra se encontrarão!