Até o dia 8 de dezembro de 2021, a Igreja vive o Ano dedicado a São José

Papa Bergoglio segue mesmo – dir-se-ia – “raspando o fundo do tacho”, no sentido de ir recolhendo o que aí ficou de melhor, dando razão ao ditado latino “dulcis in fundo” (a parte deliciosa está no fundo, como a calda do pudim!).

Foi assim que, após o longo pontificado de Papa Wojtyla, culminando com o solene Grande Jubileu 2000; após o fecundo magistério de Papa Ratzinger, que   determinara a Igreja ao longo de 32 anos (como Prefeito da Fé e Pontífice), veio o Papa “do fim do mundo” convidando-nos à Misericórdia (Ano santo 2015), à Alegria (Evangelium Gaudium), ao Amor (Amoris Letitia), ao Cuidado (Laudato Sii), à Amizade (Fratelli tutti) e, agora, à contemplação de São José – a quem ele considera “o gonzo que une o Antigo e o Novo Testamento”.

É que Papa Francisco não entende ficar repetindo lições antigas que, embora lidas desde o Concilio de 60, não as temos aprendido. Já as supõe matéria dada, como se diz na escola. Vai, por isso, adentrando em novas brechas, noutras possibilidades da sempre e única Igreja, surpreendendo-nos.

Mas não é bem o assunto. Quero girar ao redor do Ano de São José, instituído pelo Pontífice no passado 8 de dezembro, solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria. Ocasião em que nos entregou a Carta Apostólica PATRIS CORDE (Com coração de pai), em comemoração ao 150º aniversário da declaração do Santo como padroeiro universal da Igreja. Começa dizendo: “Com coração de pai: assim José amou a Jesus, designado nos quatro evangelhos como ‘o filho de José’ (Lc 4,22; Jo 6,42; Mt 13,55; Mc 6,3)”.

Brasão do Papa Francisco

Temos notícias de que na elaboração do seu brasão pontifício, Mario Jorge fez colocar uma estrela e uma flor de nardo. A estrela, segundo antiga tradição heráldica, simboliza a Virgem Maria, Mãe de Cristo e da Igreja; enquanto a flor de nardo indica São José, Patrono universal da Igreja. Na tradição hispânica, de fato, São José é retratado com um ramo de nardo nas mãos.

A informação mais preciosa que a Bíblia nos dá sobre a pessoa do jovem nazareno é a de que ele era “um homem justo” (Mt 1,19). Na linguagem religiosa, trata-se de um homem que põe na Lei divina o único fundamento de sua vida. Nós cristãos, acentuando muito a relação Jesus-Maria, esquecemos, por vezes, que a educação de Jesus foi dada também por seu pai adotivo. Podendo-se então dizer, sem exagero, “tal pai, tal filho”.

Jesus é um retrato de José, foi uma criança, depois um jovem e adulto fascinado por seu pai. José ensinou a Jesus o conhecimento da Vontade e a interpretação da Palavra de Deus. Quando Jesus falará de seu Pai do Céu, terá em seu coração lembranças do pai José, que o amava, dava-lhe nome, o alimento e a roupa, ensinava-lhe a também ganhar o pão com o suor da carpintaria.

Para além de simples piedade, terá sido a percepção dessa harmoniosa familiaridade pai x filho que motivou os Pontífices a incluir também o nome do Justo Varão na oração eucarística ou cânon da Missa.

Oração eucarística é, dentro da liturgia da Missa, aquela oração toda especial onde estão situadas as palavras da consagração do pão e do vinho. A introdução do nome de São José, em momento assim solene, tinha sido um desejo explicito de São João XXIII (Papa de 1958-62) colocando-o na 1ª   Oração, fato reconfirmado por Bento XVI (2007). Mas eis que Papa Francisco, pessoalmente devotado ao Santo, em 1º de maio de 2013, estabeleceu fosse obrigatoriamente inserido em todas as orações eucarísticas da Igreja Católica.

Fazer isso, longe de apenas satisfazer a piedade popular para com a Sagrada Família completa, é um gesto de grande significado simbólico para os nossos dias, ante a presunção de se anular a diferença sexual, a tentativa de assimilar a família a outros tipos de uniões, a maneira de conceber a educação à sexualidade.

José é pai forte e humilde; humilde, mas forte. Acolhendo um filho não seu, simboliza também a paternidade espiritual dos sacerdotes, consagrados e de quantos tornam-se pais do coração. Representa exatamente aquilo que o mundo contemporâneo amorfo, ao mesmo tempo, aspira e teme: uma autoridade definida. Mostra que os papeis em família não são revezáveis: também uma Criança muito especial precisou ter pai e mãe na terra.

“Normalmente o ser humano vem ao mundo no seio de uma família, podendo-se dizer que a ela deve o próprio fato de existir. Quando falta a família logo à chegada da pessoa ao mundo, acaba por criar-se uma dolorosa e inquietante carência que pesará depois sobre toda a vida” (João Paulo II, Carta às famílias, n. 2).

Altar dedicado à São José na Basílica Santuário de Nazaré

Pe. Ramos é Sacerdote Barnabita, diplomado em Filosofia (Faculdade do Mosteiro de São Bento – SP), formado em Arquivística (Escola Vaticana de Diplomática junto ao Arquivo Secreto – Roma), bacharel em Teologia (Pontifícia Universidade Urbaniana  – Roma) e licenciado em Teologia Dogmática (Pontifícia Universidade Gregoriana – Roma).
Fotos: Vatican Media / Acervo Pessoal