Ordem dos Clérigos Regulares de São Paulo celebra 491 anos de fundação

Por: Padre Francisco Maria Cavalcante 

Ao celebramos 491 anos de nossa fundação, aproveitamos o ensejo para partilhar um pouco da história da Ordem religiosa que desde os tempos idos, carinhosamente, o povo de Deus os chama de Barnabitas.

1-Em 18 de fevereiro de 1533, o jovem Padre Antônio Maria Zaccaria, Bartolomeu Ferrari e Thiago Antônio Morigia, recebem em Bolonha, das mãos do Sumo Pontífice, Papa Clemente VII, o documento que aprovava a fundação de uma Ordem Religiosa cujo nome canônico é Clérigos Regulares de São Paulo.

O fundador e os cofundadores deste movimento são três homens de fé e ciência: Padre Antônio Maria Zaccaria, médico e sacerdote, natural de Cremona –It; Bartolomeu Ferrari, advogado, e Thiago Antônio Morigia, engenheiro e matemático, ambos de Milão – It.; estes dois últimos tornam-se sacerdote posteriormente a fundação.  

A primeira casa onde se instalou a nascente comunidade foi na igrejinha de Santa Catarina (1533-1534) in Porta Ticinese, Milão – It. Os membros desta, eram Santo fundador, Padre Antônio Maria, os dois cofundadores, Ferrari e Morigia, e os milaneses Francisco Lecco, Camillo Negri, Melchior Soresina, Francisco da Crippa, Giovanni Thiago de Caseis. A casa não dispunha de espaço suficiente para abrigar os religiosos, logo buscaram outro lugar, foram instalar-se numa casa perto a igreja de Santo Ambrósio (1534-1545), também esta diminuta, assim que em 1545 se faz a aquisição de uma propriedade nas extremidades de Milão cuja havia uma capela dedicada a São Barnabé e São Paulo, esta passou a ser a sede dos Clérigos de São Paulo, obra a qual até hoje estamos instalados e é onde jaz embaixo do altar central o corpo de Santo Antônio Maria Zaccaria.

2-Contexto histórico: o século XVI viu nascer à reforma protestante. Martin Lutero (*10 e novembro de 1483. + 18 de fevereiro de 1546), monge agostiniano, deu ponta pé inicial na Alemanha a um movimento que fez resistência a Igreja Católica Apostólica Romana. Aos 31 de outubro de 1517, Lutero prega nas portas do castelo Wittenberg as 95 teses, onde questiona e critica algumas atitudes do catolicismo da época. Tal feito, com a ajuda da presa, possibilitou a difusão rápida dos princípios protestantes por toda Europa, inspirando o surgimento de outros movimentos afins: Anglicanismo (Inglaterra) e Calvinismo (França).     

Alguns monarcas e burgueses viram nestes movimentos oportunidade impar para se verem livres da Igreja Católica, dado que o Sumo Pontífice exercia grande poder e influencia sobre os impérios católicos espalhados pelo mundo, limitando, por vezes, em alguns aspectos o poder dos monarcas locais e a autonomia do exercício administrativo dos burgueses.

Devido a forte estrutura polícia e econômica da Igreja, esta consegui resistir às investidas dos bárbaros e as guerras, isto ajudou aos impérios europeus a se manterem de pé em tempos calamitosos. Concomitante aos cuidados das coisas terrenas, estava o zelo pelas coisas espirituais; difundia-se o evangelho por onde passavam, atraindo cada vez mais prosélitos. Entre o anúncio do evangelho e acordos políticos, a Igreja conseguiu aplacar a força sanguinária dos bárbaros e fazer deles cristãos.  

Assim sendo, o protestantismo encontrou em alguns monarcas e burgueses, proteção e isto foi crucial para que se mantivesse vivo nos primeiros anos. Com a reforma protestante, nascem às primeiras igrejas cristãs sem comunhão com o Papa, junto a isto, alguns reinos cortam relação com o Sumo Pontífice e abraçam a nova fé. Tal feito, dividiu o velho mundo e abalou suas estruturas religiosas e sociais.

 3- Contrarreforma: Em resposta a reforma protestante, surge um movimento intitulado contrarreforma, cujo escopo era, em comunhão com a Igreja Católica, buscar um caminho de reforma. O conceito repudia uma reforma que provocasse cisão ao interno da comunidade, por conseguinte, busca-se resgatar a essência do cristianismo. A Ordem dos Clérigos Regulares de São Paulo, dentre outros grupos, faz parte desta camada carismática que fez frente à reforma protestante. 

O Concílio de Trento é reflexo do culminar deste movimento espontâneo e ortodoxo, respondeu-se oficialmente as arguições de Lutero e ao levante protestante. Assim sendo, o movimento se esmerou em fazer um trabalho ao interno da Igreja, as comunidades protestantes continuaram a se proliferar até os dias de hoje, nascendo novas denominações a cada ano, cada uma com seus guias espirituais e exegese bíblica própria, entretanto, o Catolicismo seguiu seu caminho, espalhando-se pelo mundo, mantendo sua comunhão entre seus líderes e povo de Deus em geral.

4-Carisma: o carisma da Ordem Religiosa fundada por Santo Antônio Maria Zaccaria é “a continua renovação do fervor cristão”. Busca-se uma renovação continua da Igreja a partir de dentro, cada reformador deve trabalhar para adquirir um enriquecimento pessoal, uma vida interior fortalecida, para poder alcançar fecundidade no apostolado; é a vida de cada membro do instituto que deve ser canal de transformação gradual da Igreja. O fervor deve passar sempre por um trabalho de restauração para se manter vigoroso e puro, assim sendo, o carisma impele a buscar crescer, autoanalisar-se sempre.

No capítulo XVIII das constituições escritas por SAMZ, ele elenca oito qualidades que o reformador dos costumes deve cultivar: prudência ao obrar, coração grande para lutar, perseverança na colaboração da obra de Deus, humilde para nas injurias para não vacilar, ser contemplativo para com êxito caminhar, ter reta intenção para não deformar a palavra de Deus e sua vontade, desejo de avançar a coisas mais perfeitas e confiança que a Providência Divina nunca falha (cf. ESCRITOS DE SAMZ, Constituições. Cap.XVIII). O esforço de cultivar estas virtudes outorga um norte no que concerne a vivência deste ideal de vida.

A proposta do Zaccaria a Igreja, é que a reforma comece de baixo para cima, ou seja, das comunidades, dos pequenos grupos de sacerdotes, e religiosas que ele fundou. Não pretende de imediato chegar aos grandes chefes da Igreja da época. Neste trabalho utilizou Paulo para fortalecer e impulsar a reforma, utilizou ao Apóstolo dos gentios para sacudir a Igreja com o afã de acordá-la.

5- Nome: o nome que consta na aprovação do movimento é “Ordem dos Clérigos Regulares de São Paulo degolado”. Esta é a primeira Ordem a ter a Paulo como patrono. O fundador e os cofundadores quiseram que São Paulo fosse o modelo de seguimento a Cristo do grupo. Nos primórdios os fieis chamavam os membros da Ordem de “Os Paulinos”, com o tempo surgiu o apelido Barnabitas, por nos associar a terceira residência do grupo em Milão, a Igreja Mãe dedicada a São Barnabé e São Paulo. O nome Barnabita ficou marcado na memória do povo até os tempos de hoje.     

6- Formação teológica: os Dominicanos, na pessoa de Frei Marcelo e Frei Batista de Crema, ocuparam papel fundamental na formação dos primeiro Barnabitas. Estes eram teólogos de grande envergadura, apaixonados por São Paulo e Diretores espirituais de SAMZ e do grupo. Os dominicanos colaboraram na formação teológica dos religiosos, pode-se resumir o currículo da seguinte forma:

  • Bases de sua formação teológica: patrística e bíblia com acentuação nas epistolas de São Paulo;
  • Nos primórdios Barnabitas, Angélicas e Leigos de São Paulo tinham como leitura espiritual constante os escritos de Frei Batista de Crema.

7-Espiritualidade Paulino- Zaccariana: As premissas desta espiritualidade estão fundadas em Cristo, apresentado pela tradição da Igreja e a Sagrada Escritura, sobretudo transmitido pela vida e escritos paulinos; fontes: Atos dos Apóstolos (Lucas conta a história da Igreja nascente, a inserção de Paulo no cristianismo e sua colaboração) e as epístolas paulinas, elas mostram o retrato das comunidades apascentadas por Paulo e os ensinamentos que ele deixou.

O que trazemos de Paulo em nós?

Eis aqui alguns princípios paulinos que trazemos em nosso DNA espiritual:

Seis conceitos nos remetem a nossas origens: amor a Jesus, apostolado, renovar, cruz, eucaristia e martírio.

Paulo era apaixonado por Cristo. Aí está um elemento medular que norteou a espiritualidade paulina. No coração de Paulo pulsava a vida de Cristo ao ponto de deixar transparecer em seus escritos a estreita conexão espiritual que tinha com Jesus: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). O Zaccaria quis que a intensidade do amor paulino a seu Senhor, fosse uma santa obsessão na edificação da identidade barnabítica. 

Paulo recebe a graça do apostolado, ou seja, é enviado a anunciar o evangelho ao mundo convidando as pessoas a obediência na fé (Rm 1,5). Seu apostolado consiste no anúncio do evangelho, é o carisma da evangelização (1 Cor 1,17; 1Cor 9,16). Um Barnabita deve ter um coração apostólico, ele é, na sua essência, um enviado do Altíssimo a evangelizar.

Nosso carisma não impele ao primeiro anúncio como os Xaverianos. Renovar significa trabalhar com uma estrutura mínima já existente, isto posto, o carisma dos Barnabitas não é anunciar o evangelho onde ainda não há comunidades cristãs, mas sim trabalhar na renovação das comunidades já existentes, é o segundo anúncio, ressuscitar o fervor em povos que estão sendo absorvidos pelo esfriamento da fé. Em suma, nosso carisma nos impele a animação espiritual. Paulo viveu isso, podemos constatar em suas epístolas (ex. 2 Cor);

  • Segundo anúncio – renovar o que já havia sido edificado (embate com os “super apóstolos” 2 Cor 11,5)

No carisma da reforma, os membros da Ordem, devem trabalhar para serem especialistas na vida espiritual. O documento VITA CONSECRATA, citando a SAMZ, recorda aos consagrados à importância de tal principio à caminhada (cf. Vita Consecrata, nº5; Santo Antonio Maria Zaccaria, Escritos. Sermão II. Roma 1975, pág. 129)

A experiência com o Cristo crucificado, após sua ressureição, representou uma reviravolta na vida de Paulo, levou-o a contemplação da Cruz desde a ótica  Daquele que morreu por nós por amor (Gl 6, 11-18). Deu novo sentido e rumo a sua vida: “estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2,20). Os Barnabitas desde sua fundação são impelidos a alimentar sua espiritualidade meditando os mistérios da cruz de Cristo.

É mister ressaltar que no seio da família Zaccaria a devoção a Nossa Senhora das Dores era a expressão de piedade mariana que ali reinava, esta está profundamente ligada ao Cristo crucificado:

Na devoção a Virgem das Dores temos as sete dores de Maria:

1. A profecia de Simeão sobre Jesus. (Lc 2, 34-35);

2. A perseguição de Herodes e a fuga da Sagrada Família para o Egito (Mt 2, 13-21);    

3.  A perda do Menino Jesus no Templo de Jerusalém durante três dias (Lc 2, 41-51);    

4.  O encontro admirável de Maria com Seu Filho Jesus carregando a Cruz, no caminho para o Calvário (Lc 2, 41-51);    

5.  Maria observando o sofrimento e a morte de Jesus na cruz (Jo 19, 25-27);    

6.  Maria recebe em seus braços o corpo do seu filho morto tirado da cruz (Mt 27, 55-61);  

 7.  Maria observa quando depositaram o corpo de Jesus no sepulcro, ficando Ela em triste solidão (Lc 23, 55-56).

Temos também a centralidade Eucarística (1 Corintios 11 23-26) como epicentro de nossa espiritualidade, esta é ápice da comunhão com Deus e com os irmãos.  Imbuídos da convicção da força espiritual que a Eucaristia produz no coração do ser humano, extraímos da tradição paulina a busca da intimidade com Cristo presente sacramentalmente no Santo Sacrifício. Em uma época cuja comunhão não era uma prática cotidiana, SAMZ, exortava a recebe-la frequentemente como meio eficaz de aumentar o amor a Deus e, à vista disso, alcançar a santificação.     

O martírio: nosso nome histórico é Clérigos Regulares de São Paulo DEGOLADO. A acentuação ao martírio do Apóstolo dos Gentios, remiti-nos ao fato de que, como São Paulo, devemos seguir a Cristo e se for necessário, por amor a Ele, enfrentar o martírio. Todo Barnabita, na sua constituição espiritual deve se preparar para, se necessário for, ofertar sua vida em holocausto para defender a fé em Cristo, isto significa, que contemplando o amor com que Paulo depositou em sua missão, a solides de sua fé, intimidade com Jesus, seu espírito de renúncia a si, o Barnabita é exortando a gravar na sua alma tais princípios para ser outro Paulo onde Deus lhe plantar: presença do Cristo Crucificado e vivo.

O martírio é sinal de amor, de solides na fé, é desprendimento de si e das coisas, é confiança na Providência Divina, é foco na adesão total a Deus: “[…] tudo considero como perda, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por Ele perdi tudo e tudo considero como esterco, para ganhar a Cristo e ser achado por Ele” Fl 3,8-9.    

Em suma, neste dia de indizível alegria à nossa Ordem Religiosa, fazemos votos que Deus, na sua grandiosa providência, cumule de bênçãos a todos os Barnabitas espalhados pelo mundo e que, Deus nunca deixe faltar, corajosas e santas vocações, abrasadas pelo mesmo espirito que contagiou o coração de São Paulo Apóstolo para a edificação do reino de Deus.