Solene canonização

Entre dezembro de 1895 e janeiro 1897 foram examinados e aprovados os três milagres. Em 14 de fevereiro, por ocasião da leiturado decreto de aprovação, o Papa recebeu em audiência o Padre Geral Bednedito Nisser, com cinco padres e cinco estudantes. Poucos meses depois, exatamente em 27 de amio, na Basílica de São Pedro, o Papa declarava santo fundador dos Padres Barnabitas e das Irmãs Angélicas junto com o beato Pedro Fourier ( 1565 -1640), fundador das cônegas de Santo Agostinho da Congregação de Notre Dame e reformador dos Cônegos Regulares Lateraneses. A bula de canonização “Dilectus Domini”, que levava as assinaturas do pontífice e de 23 cardeais (número impressionante para a época), marcou a cerimônia para o dia 27de maio, festividade litúrgica da Ascenção de Jesus, “autor da salvação humana, alegria dos corações, artífice de redenção do mundo, vencedor por nobre triunfo, que está sentado a direita do Pai”.

A celebração na Basílica do Vaticano representava não só um feito excepcional, mas também uma novidade, já que as duas canonizações anteriores realizadas por Leão XIII haviam sido celebradas por ele na chamada sala das Bênçãos, respectivamente, aos 08 de dezembro de 1881 [a de João Batista de Rossi(Gênova, 1698-1764), Lourenço Russo (Bríndisi, 1559-1619), Benedito Jospe Labre (Amettes, 1748-1783) e Clara da Cruz (Montecefalo, 1268-1308)], e em 15 de janeiro de 1888 [ os sete fundadores dos Servos de Maria]. Estes os termos usados na bula para explicar os motivos da decisão: “Para satisfazer totalmente os desejos dos fiéis e para aumentar a solenidade do rito, pareceu bem que a celebração aconteça no maior templo do mundo, segundo o antiquíssimo costume, que a tristeza dos tempos e a vergonhosa prisão do vigário de Cristo haviam obrigado a interromper. Como, de fato, pelo inescrutável desígnio de Deus esta prisão continua, consideramos oportuno que os fiéis multipliquem suas orações, ainda mais fervorosas diante do Sepulcro dos Santos Apóstolos, para que finalmente Deus se digne converter ou humilhar os inimigos da Santa Igreja.

Era a época da Questão Romana e o pontífice aproveitou a ocasião para reafirmar diante do mundo o direito à soberania, também temporal da Santa Sé. A bula, de fato, além de dar as indicações, para incluir a festa de Santo Antônio Maria Zaccaria no Martirológio no dia 05de julho, convidava os cristãos a lutar pela verdadeira liberdade dignidade da nossa alma, por Cristo e pelos Direitos da Igreja: “Por toda a parte se move uma guerra muito atroz contra estes santíssimos e augustíssimos nomes. Na Itália de modo mais tétrico e indigno, na Itália, onde Cristo colocou a sede principal de seu Reino que homens sacrílegos a tal ponto se gloriam de ter desvalorizado de celebrar tal maldade indizível com solene rito civil, como se fossem os grandes da pátria, ou melhor, o orgulho do gênero  humano, e não se envergonham de perpetuá-la, construindo um enorme monumento junto à cruz destruída. Deus, ótimo e grande nos ajude e, pela intercessão de Santo Antonio Maria Zaccaria, seja propício a nossa causa: favoreça vossas iniciativas, noblíssimos italianos, que por Cristo e a Igreja lutais corajosamente, em vos deixar desviar a vossa firmeza, pelos erros dos tolos”. Linguagem dura e de extrema clareza, que soava como um convite a demonstrar nesta ocasião a própria fidelidade à Igreja.

Relíquia: Santinho entregue aos fiéis no dia da canonização de Antonio Maria Zaccaria

Foi impressionante esta demonstração dos fiéis. “La Civilitá Cattolica” (Civilização Católica), a prestigiosa revista quinzenal dos Jesuítas, em sua rubrica “Crônica Contemporânea”, dedicou seis páginas ao solene rito, sublinhado como em São Pedro (de portas fechadas, por persistir o problema com o Estado Italiano) havia uns trinta cardeais, mais de 240 clérigos entre patriarcas, arcebispos, bispos e abades ordinários, enquanto haviam chegado à cidade mais de sessenta mil peregrinos de toda a Europa. De Milão haviam chegado mais de cem mil pessoas, guiadas pelo Arcebispo, o beato cardeal André Carlos Ferrari (1850-1921) e por vários bispos lombardos. No interior do templo, precisamente sobre a porta principal, e acima das estátuas de Santa Elena, e de Santo André estavam os estandartes que recordavam as cenas dos três milagres aprovados para a canonização.

Para a ocasião, o coro da Capela Sistina, dirigido pelo maestro Domingos Mustafá, cantou a Missa papae Marcelli de Palestrina e no ofertório o mometo Cantate Domino do mesmo maestro. Segundo o cronista de “Civiltá Cattolica”, foi um a execução esplêndida “como talvez nunca houvesse escutado sob a imensa cúpula de Miguelangelo. (…). Do alto da cúpula, as vozes de cento e setenta jovens respondiam angelicamente ao poderoso coro da basílica”.

Relíquia: Convite para a festa de canonização de Antonio Maria Zaccaria

 

8 quilômetros de adornos e 1570 velas  

Depois da proclamação dos dois novos santos, todos os sinos das igrejas romanas tocaram em festa durante uma hora. Só pela tarde, a basílica foi aberta aos fiéis que não haviam podido assistir à cerimônia, , enquanto, à noite a colunata de Bernini e a fachada de São Pedro foram iluminadas com lanternas e tochas que produziam um belíssimo efeito. Calcula-se que os adornos da basílica, projetados pelo arquiteto da Fábrica de São Pedro, o professor André Busiri, custaram 240.000 libras,  hoje uns 155.00 euros. No exterior, sobre as três portas da basílica, haviam colocado inscrições e na cornija da porta maior se destacava o quadro da Glória pintado por Salvador Nobili, diretor da escola do Mosaico Vaticano. , No interior, se viam os grandiosos arcos da abside e da nave central com 44 metros de altura. Nos grandes arcos penduraram enfeites de cortinas de cor vermelha cheias de estrelas com toques de ouro e franjas nas extremidades. Também as janelas e as galerias haviam sido adornadas em vermelho e ouro, assim como os grandes pilares, enquanto as cornijas estavam recobertas de damasco. De fato, foram usados, quase 8 quilômetros de pano! Na abside se erguia o trono papal com seu majestoso dossel de 12 metros de altura, com duas enormes estátuas dos Santos Pedro e Paulo. No fundo da igreja, com onze metros de altura, sobressaia o escudo papal entre dois medalhões com retratos dos dois santos.

            Que podemos dizer da iluminação? Nos arcos estavam pendurados 23 lampadários com cerca de 250 velas. E nos braços da nave, outros dois lampadários de quase duas toneladas, com 450 velas cada um e diâmetro de 10 metros. Finalmente, ao longo da cornija da nave  principal haviam sido colocados 2.570 pontos de luz. Imaginemos as acrobacias que tiveram que fazer, naquele dia, os encarregados de acendê-los (eram 350). Não faltaram as medidas de segurança e dos serviços indispensáveis pela duração da cerimônia; banheiro para o papa (atrás do trono pontifício), dois lugares para pronto socorro sanitário e outros quatro distribuídos pela basílica. Uns sessenta bombeiros vigiavam para evitar o risco de incêndio. Para este enorme trabalho, a basílica esteve fechada durante cinco dias, do dia 22 de maio até a manhã do dia 27.

Este acontecimento teve grande impacto sobre a população devido à extraordinária participação do povo e dos prelados; desde o Concílio Vaticano I, não se via nada igual em Roma, O rei Umberto I – dizia ainda que La Civilitá Cattolica – “salvou a sua reputação, retirando-se naqueles dias para Milão, afim de assistir as corridas de São Siro. A respeito da capital do reino, assim a descreve um liberal na vigília de canonização: “Um forasteiro que chegue à cidade eterna nestes dias, deve se esforçar de verdade para perceber que esta é a capital de um reino que é uma grande nação, que tem um Governo, um Parlamento, uma monarquia, ministérios, e uma parte da população que aí vive exatamente por ser Roma a capital da Itália. A cidade inteira está ansiosa à espera da extraordinária e nunca mais vista cerimônia que será celebrada amanhã na Basílica de São Pedro no Vaticano, o maior templo do cristianismo. Não se fala, nem se quer falar de outra coisa. Calcula-se que já são 60.000 os forasteiros e os outros ainda deverão chegar. Ouve-se falar em todas as línguas pelas ruas de Roma, e todos falam da cerimônia.

Aquele dia 27 de maio teve repercussões importantes também no plano político; começou a aparecer no país um despertar dos católicos, que através da Obra dos Congresso, dos comitês diocesanos, das associações, dos círculos e caixas de ajuda mútua, contribuiria para a crise do estado liberal. João Spadolini escreveu que a melhor prova de força contra a maçonaria italiana “teve lugar nas grandes festas da primavera de 1897, em Roma, pelo motivo da canonização de Antonio Maria Zaccaria e Pedro Fourrier (soberba demonstração de força que impressionou o próprio João Bovio e lhe inspirou as famosas palavras sobre a onipotência do Papa). (…). O homem pensa, não reza; respondia com sua eloquência João Bovio à pergunta de Momenti, que havia sublinhado a função social da oração; mas os acontecimentos daqueles meses contradiziam cada vez mais abertamente os “dogmas” do filósofo da democracia, pela grande participação de fiéis nas peregrinações e nas festas religiosas, pelo grande êxito das celebrações ambrosianas em Milão, pela extraordinária concorrência de fiéis de todo o mundo à basílica do Vaticano para a canonização de Antonio Maria Zaccaria e Pedro Fourier. (…) As igrejas se reanimam e não só de fiéis em oração, mas de católicos preparados pela batalha, reunidos ali nos templos, para sustentar suas teses, para combater suas batalhas, para denunciar os seus inimigos; segundo uma tradição que “La Civilitá Cattolica” vinculava diretamente os costumes da Idade Média, e à gloriosa época dos Comuns (…). O próprio João Bovio era obrigado a reconhecer, por ocasião das festas de canonização de maio de 1897, que o Papa praticamente havia mostrado sua onipotência”.

Como Roma é desde sempre a cidade de Paquino (dirigida na época por um “governo circuncidado”, ou seja, de hebreus), não faltou nesse dia um amável soneto de um certo Alfredo Posta, publicado no periódico “Vera Roma”, em 23 de maio de 1897.

AOS SANTOS ZACCARIA E FOURIER 

Oh Santos novos, Santos benditos

que estais lá em cima no paraíso

e gozais do belo sorriso  da Virgem em meio aos anjinhos; 

 

Olhais para nós, pobrezinhos,

Oh Santos, mas olhai-nos no rosto

Se não pareceremos todos tuberculosos

Por culpa de governo circuncidado!

 

Agora que o Pontífice Leão

Voz faz tantas festas no Vaticano

Cuidai também um pouco desta nação.

 

Roga no Céu com os Santos Padres

Que Deus bendito nos ajude,

Para ter a força de expulsar estes ladrões!

Texto:

Livro Fogo na Cidade – Angelo Montonati