Reflexão do Evangelho – Lucas 2,33-35

            Nossa Senhora das Dores                                                       

 

Maria Santíssima, aos pés da Cruz, nos revela quanto o discípulo de Cristo Jesus pode acompanhar a obra redentora do Filho “que o Pai consagrou e enviou ao mundo” (Jo 10,36).

Em Jesus, o Filho do Homem elevado da terra, como o foi a serpente que Moisés levantou para que todos os que olhassem para ela fossem salvos da morte, devemos ver a manifestação suprema do amor de Deus para o mundo. Maria teve plena consciência dessa verdade. Podemos deduzi-lo do entendimento preciso que ela teve da condição messiânica do seu filho, desde o momento da Anunciação. Podendo ela, desde então, através do dom da visão beatífica, acompanhar a evolução do plano de Deus desde o momento em que  concebe por obra do Espírito Santo. Ela, que nós invocamos com o título de Sede da sabedoria, tudo acompanhou, guardando no coração os mistérios que se desenvolviam diante dos seus olhos.

Os acontecimentos da vida de Jesus sempre foram interpretados por Maria à luz das palavras do Anjo Gabriel que lhe disse que aquele que se revelaria como o Filho de Deus, Filho do altíssimo, era o Santo. Santo significa que, para Gabriel, Jesus é o Deus de Israel que se apresentou a Isaías no templo quando o chamou ao profetismo: “Santo, santo, santo é o Senhor Deus dos exércitos” (Is 6,3). Esse é o canto dos Anjos que Isaías ouviu em visão.

Nas bodas de Caná, vemos como Maria tem pleno conhecimento da condição divina do filho. Deduzimo-lo  pelas palavras que Maria diz aos servos: “Fazei tudo aquilo que ele vos disser”. Estava falando do seu filho, porque o evangelista anota: “Houve bodas em Caná da Galileia e a mãe de Jesus estava lá”. Aquele que os servos escutaram, e que transformou a água em vinho, é aquele que no fim do episódio nos é assim apresentado pelo Evangelista: “Este foi o primeiro dos sinais que Jesus realizou, em Caná da Galileia, e manifestou a sua glória e os discípulos creram nele”. A compreensão de Maria, ilustrada pela reflexão sapiencial da igreja apostólica, da qual Lucas nos informa desde o seu Evangelho da infância de Jesus, é aquela de guardar tudo o que via acontecer em relação ao seu filho porque, quando da visita dos pastores que foram até a gruta de Belém para adorar aquele que os anjos lhes anunciaram, sabe exatamente quem é o filho. Ela guardou no seu coração as palavras do anjo que os pastores  relataram: “Hoje vos anuncio uma grande alegria que é para todo povo: nasceu para vós um Salvador que é Cristo o senhor” (Lc 2,10s).

A compreensão da condição divina de Jesus desenvolve-se, ainda mais, no momento do encontro de Maria com Isabel que exclama: “Como pode a mãe do meu Senhor vir me visitar? Desde que a tua saudação chegou aos meus ouvidos o menino que está no meu seio estremeceu de alegria” (v.43s). São palavras que resumem tudo aquilo que, profeticamente, Zacarias cantou, quando se desprendeu a sua língua, no momento em que ele confirmava o nome do filho nascido da mulher estéril: “Bendito seja o Senhor Deus de Israel que a seu povo visitou e libertou” (1,68-79).

Quando, portanto, Maria e José apresentam Jesus no templo, Maria está à altura do anúncio profético de Simeão, que assim fala do menino que está nos braços de Maria: “Ele será luz para todos os povos da terra” (2,32). Simeão, todavia, especifica qual será a condição trágica pela qual o servo de Iahweh realizará a sua obra. Portanto, quando acrescenta, profeticamente, qual será a condição da mãe da ‘Luz das Nações’, que é por ela carregado nos braços, e exclama: “Eis que uma espada te traspassará para que sejam conhecidos os pensamentos de muitos” (v.35), Maria começa a ser preparada para o desfecho final da vida do seu filho, que ela sempre pôde interpretar à luz dos quatro cânticos de Isaías, próprios do Servo de Iahweh. 

A mulher, portanto, que, diz João no fim da narrativa das bodas de Caná, desce até Cafarnaum com o filho, após ter acompanhado Jesus na sua missão messiânica, juntamente com as outras mulheres que serviam os apóstolos,  no momento da morte do Cristo, está aos pés da Cruz com Maria Madalena e a outra Maria mulher de Clopas. O seu martírio foi aquele de ver homens lidar com o Santo que estava no meio deles, na condição de Filho do  Altíssimo, maltratando-o como animais  ferozes, quais somente poderiam ter sido soldados acostumados a torturar facínoras. Nestas terríveis condições de mártir, Jesus chama a Mulher para ser a mãe de um Israel que não levará, novamente, à morte o Santo de Deus, mas viverá “em santidade e justiça todos os dias da sua vida”. Maria estava de posse de todos esses sentimentos que de fato já manifestara no cântico do ‘Magnificat’, em resposta às palavras proféticas de Isabel. A maternidade desta mãe dolorosa será, portanto, aquela de preservar a Igreja, que Jesus acabara de fundar, no santo temor de Deus.

Esta é a santidade de Maria que celebramos, enquanto dela nos lembramos como ‘Nossa Senhora das Dores’.

Padre Ferdinando Maria Capra pertence à Ordem dos Clérigos Regulares de São Paulo (Barnabitas) e serve no Rio de Janeiro (RJ).