O período da Igreja chamado Tempo Comum, no qual nos encontramos e vai até o final do Ano litúrgico, no qual a Liturgia Dominical é celebrada com os paramentos verdes, é propício para o aprofundamento das várias dimensões da vida cristã. “Ora et labora” – Ora e trabalha – é o lema que conduziu a vida de São Bento Abade, comemorado no dia onze de julho. E a Igreja nos oferece nas celebrações litúrgicas do final de semana, no décimo sexto domingo do Tempo Comum, o episódio da visita de Jesus à casa de Marta, irmã de Lázaro e Maria (Lc 10,38-42), precedido pelo magnífico texto da visita de três personagens misteriosos a Abraão e Sara, junto ao Carvalho de Mambré (Gn 18,1-10). Comentando este fato, a Carta aos Hebreus assim se expressa: “Perseverai no amor fraterno. Não descuideis da hospitalidade; pois, graças a ela, alguns hospedaram anjos, sem o perceber” (Hb 13,1-2). Muitas vezes a Sagrada Escritura nos abre à compreensão de aspectos muito práticos do seguimento do Senhor e seus desdobramentos, como acontece com aquela família de amigos de Jesus, uma casa onde Jesus certamente se sentia à vontade.
Marta, a serva disponível, cuja festa, aliás, é celebrada no dia vinte e nove de julho, enquanto não existe uma festa litúrgica para Maria de Betânia, está atarefada, no afã de preparar excelente refeição para Jesus e seus discípulos, fica incomodada com a atitude de sua irmã, assentada aos pés de Jesus como discípula. Não era comum que as mulheres se fizessem discípulas. Era tarefa dos homens, e elas certamente deveriam estar, quem sabe, na cozinha. Estar aos pés do mestre era até atitude escandalosa, em tempos em que um homem não podia falar publicamente com uma mulher e muito menos ensiná-la. E mais ainda, no culto das Sinagogas as mulheres ficavam em lugares secundários, separadas dos homens. Por isso Marta reclama. E o Senhor reconhece os esforços de Marta, sem repreendê-la por ser trabalhadora. E defende Maria, aquela que “escolheu a melhor parte”, a única necessária (Lc 10,42), que não vem a ser considerada preguiçosa, até porque certamente ajudava sua irmã em outras ocasiões. Jesus mostra que naquele momento chega a hora da escuta, do discipulado, agora aberto a todos! De fato, as duas irmãs, e Lázaro com elas, querem bem a Jesus e querem servi-lo, mas de forma distinta. Há um tempo para cada coisa, já ensinava o Eclesiastes! (Cf. Ecl 3,1-12).
Abraão serviu, mandou preparar lauta refeição e hospedou anjos de Deus! Marta serve, é santa, Maria é discípula e modelo, Lázaro entra no meio da história, e Jesus oferece a síntese preciosa, que pode iluminar os nossos caminhos. Nos Atos dos Apóstolos (Cf. At 6,1-6), as primeiras comunidades cristãs já encontraram o desafio de estabelecer o justo equilíbrio de duas dimensões da vida cristã. A atenção aos mais pobres suscitou um novo ministério, que está na origem da vocação dos que hoje chamamos diáconos. Aos Apóstolos, segundo o discernimento de Pedro, deveria caber a oração e a pregação da Palavra.
Concretamente, em nossa vida cristã cotidiana, de modo especial em nossos dias, o desafio se apresenta. Nesta semana, celebramos Nossa Senhora do Carmo, e a Arquidiocese de Belém se reuniu alegremente com as Monjas Carmelitas Descalças, no Carmelo Santa Teresinha, em Benevides. Ali, estas religiosas contemplativas representam um verdadeiro para-raios de oração para a Arquidiocese. Seu trabalho principal é a oração contínua pela Igreja. As pessoas que acorrem ao Carmelo ficam edificadas com a atualização das irmãs em todos os assuntos da Igreja e do mundo e como se tornam madrinhas de sacerdotes, seminaristas, leigos e leigas, pessoas que acreditam na força da oração. Elas expressam de modo digno e bonito a dimensão contemplativa da vida cristã, ainda que trabalhem, e muito, já que são sustentadas pelas atividades que ali realizam.
E o que dizer de tantos homens e mulheres enviados ao mundo para a pregação, o testemunho e a caridade? Como nos tem edificado a resposta ao convite à missão de leigos e leigas em nossa Arquidiocese de Belém, a prontidão para as visitas domiciliares, o engajamento nas atividades de evangelização, as semanas missionárias, os mutirões de evangelização. E não são poucas as pessoas que assumem o rosto da caridade cristã para serem presença no mundo. Além disso, há as pessoas que põem literalmente a mão na massa, nas edificações que se multiplicam na Igreja! Assim a Igreja é completa, reza e trabalha!
Mas como equilibrar estas duas dimensões na vida diária do cristão? Prioridade absoluta seja dada à Eucaristia Dominical, nossa Páscoa semanal. Fazer todo o possível para que não haja em nossa vida Domingo sem Missa! Depois, a oração diária. Rezar pela manhã e à noite, agradecer juntos a Deus, com a família, às refeições, dedicar-se à oração, como o Rosário e outras devoções existentes na Igreja. E a Palavra de Deus? Vale aprender e praticar a leitura orante da Palavra de Deus: Leitura, Meditação, Oração, Contemplação, Ação.
Outra proposta é a superação do julgamento! Não existe uma segunda ou terceira categoria de pessoas na Igreja, porque rezam ou trabalham de forma diferente daquele que cada um de nós pratica! O Espírito Santo sopra onde quer e como quer, suscitando dons, carismas e serviços diferentes, mas todos importantes. Ninguém deseje uma espécie de rolo compressor, querendo que todos vivam a mesma espiritualidade, a mesma prática de contato com a Palavra e os mesmos engajamentos. É bela a diversidade na Igreja! “Na Igreja, Deus estabeleceu, primeiro, os apóstolos; segundo, os profetas; terceiro, os que ensinam; depois, dons diversos: milagres, cura, beneficência, administração, diversidade de línguas. Acaso todos são apóstolos? Todos são profetas? Todos ensinam? Todos fazem milagres? Todos têm dons de cura? Todos falam em línguas? Todos as interpretam? Aspirai aos dons mais elevados. E vou ainda mostrar-vos um caminho incomparavelmente superior” (1 Cor 12, 28-31). E em seguida, São Paulo indicou a caridade, o amor de Deus derramado nos corações, como a estrada mestra com a qual a síntese da vida cristã se realiza.