Pe. José M. Ramos Mercês,

Sacerdote Barnabita

Historicamente, não é difícil mostrar como a atuação dos Barnabitas valorizou a devoção nazarena e engrandeceu sua maior expressão, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará.

Expulsos da França pelo ódio anticlerical daqueles tempos, os Barnabitas aportaram Belém a 21 de agosto de 1903 (há exatos 119 anos). Em fevereiro de 1905, receberam do bispo do Pará, Dom Francisco do Rego Maia – conforme contrato estabelecido em Paris –, a freguesia de Nossa Senhora de Nazaré do Desterro.

À chegada desses religiosos – franceses, belgas e italianos – a igreja, de 1884, já se mostrava acanhada. Tem-se notícia de um falido projeto de reestruturação do prédio, agravado por tentativas frustradas contra uma rachadura insanável.

Um fato providencial colaborou para o novo projeto. Conforme sua tradição, os Barnabitas recebiam em 1908 o Visitador da Ordem, Padre Luigi Zoia, que inspecionava a recente fundação brasileira. Esse fato foi decisivo; entusiasmando-se com tudo, sugeriu erguer-se de pronto um novo templo. Imediatamente, deu por sugestão do plano geral uma redução da Basílica romana de São Paulo extramuros. Ele próprio enviaria da Itália as plantas, os desenhos e todo o material importado. Obra faraônica, sem dúvida, para os nossos dias – imaginemos para aquela época e lugar!

Além de crônicas locais, o tomo 26 da monumental Enciclopédia Italiana dá conta que o empreendimento “foi projetado pelos arquitetos Gino Coppedè e Giovanni Padrasso, de Gênova”.  A sua execução teve início em 24 de outubro de 1909, com a colocação da primeira pedra.

Os trabalhos começaram de fato no princípio de 1910. Não se demoliu a igreja existente. Os belos coqueiros que se alinhavam no terreno ao lado, frente ao Quartel e à Travessa 14 de Março tombaram e, em profundas covas, caíram pedras e argamassa. Em menos de cinco anos, graças ao otimismo da borracha e à colaboração dos devotos, a igreja já apresentava sua estrutura básica, com cripta, colunas, paredes, tesouras, vigamentos, cumeeiras e uma das torres (42 metros), tudo isso sobre 62 metros de comprimento por 24 de largura, com 20 de altura.

A concretização dessa empreitada tornou-se uma epopeia! A inesperada desvalorização da borracha no mercado internacional e a 1ª Guerra Mundial fizeram diminuir o ritmo dos trabalhos, que a partir de 1918 passaram ao legendário Padre Afonso Di Giorgio, que ornaria o templo mariano com os melhores mármores, mosaicos, bronzes e vitrais, levando a efeito sua conclusão até sua morte, em 1962.

A abrasante devoção filial desse abnegado sacerdote barnabita o fez escrever em mosaico, no fronton da fachada principal, em belas letras romanas: “DEIPARAE VIRGINI A NAZARETH”. São as palavras da dedicação do santuário, que traduzidas, dizem: (esta igreja é dedicada) “ÀQUELA QUE PARTURIU DEUS, A VIRGEM DE NAZARÉ”.

É uma confissão de fé. Do ponto de vista linguístico, é uma pérola preciosa, bem trabalhada. E embora seu significado escape à compreensão popular, porque em latim, a atração que esse lugar sagrado exerce na alma da gente, justifica o sublime conteúdo do título, crido milenarmente pelas gerações cristãs: a Virgem Nazarena deu à luz o próprio Deus!

Quanto à sua ornamentação, sobretudo interna, é comum ouvir-se comentários acerca do bom gosto das suas “bonitas pinturas”. Coisas, na verdade, inexistentes ali, pois o que há é um conjugado de mármores e pastilhas; são pedras, por conseguinte, a ilustrar cenas bíblicas, vidas de santos, alegorias sacras, arranjos florais e frisos decorativos – geniais em sua concepção, perfeitos em seu acabamento, estupendos em seu efeito. E some-se a isso a vantagem de jamais desbotar ou carecer retoques!

Sabemos que todo o trabalho era operado em equipe. Geralmente os desenhos e croquis eram feitos em Gênova, sob a supervisão do Padre Luigi Zoia, intermediário entre os arquitetos, engenheiros, técnicos marmoríferos, contando aqui com os engenheiros locais Acatauassú Nunes, Júlio Topino e do valioso mestre de obras Antonio Vita. Desenhos e croquis enviados a Belém, para a aprovação do Padre Afonso Di Giorgio, retornavam às casas artísticas europeias para a execução das peças.

Estilo neoclássico em suas linhas gerais, a nossa Basílica se apresenta com cinco naves, divididas por 36 colunas de puro granito róseo italiano. Possui 53 vitrais franceses da casa Champigneulle, de Paris; 65 belíssimas ilustrações em mosaico veneziano, 15 estátuas de mármore, obras dos escultores Antonio e Augusto Bozzano; três grandiosas portas de bronze, da firma Eberle de Caxias do Sul; nove sinos de bronze, da firma Barigozzi de Milão – ‘São José’, o maior de todos, com 1,80 cm de diâmetro, pesa duas toneladas.

Embora nenhum dos colaboradores italianos tenha jamais contemplado com os próprios olhos a obra finalizada, o seu reconhecimento pela hierarquia da Igreja adveio com a concessão do hoje comemorado Título Basilical, por Pio XI, em 1923; a Coroação pontifícia da Imagem original, por Pio XII, em 1953; a Condecoração do Pe. Afonso Di Giorgio com a “Ordem do Cruzeiro do Sul”, pelo presidente Juscelino Kubitschek, em 1958.

Alí cada altar, cada vitral, cada mosaico, cada estátua, cada arco leva um nome, recordação perene daquele devoto, daquela família. Gente que amou Maria, que contribuiu para embelezar a sua Basílica Santuário, Panteon do Céu, do Pará, da Amazônia.